Dokument-Nr. 17667
Becker, João Batista (Johannes Baptist) an Gasparri, Enrico
Porto Alegre, 16. Mai 19211

Confidencial
Exmo. e Revmo. Senhor.
Reportando-me novamente à prezada carta de V. Excia. Revma. datada de 2 do corrente méz e relativamente ao tópico: Intervenção do Ordinário nas escolas, venho informar a V. Excia. do seguinte:
Em conferência realizada em Março do anno passado, pelos Srs. Bispos da Provincia Ecclesiástica de Porto Alegre, sob a minha presidência, entre outros assumptos, tratou-se das escolas cathólicas, traçando normas para organizal-as definitivamente. O resultado total desta conferência consta das Resoluções nella tomadas e de que tive a honra de enviar dous exemplares a essa Exma. Nunciatura.
A organização do ensino cathólico encontrou difficuldades da parte de quem menos deveria esperal-as: os párochos jesuítas allemães e alguns cathólicos allemães.
O sr. Joseph Koenig redactor do "Deutsches Volksblatt", de propriedade do sr. Hugo Metzler, e este, ambos acérrimos defensores do germanismo, são os chefes que procuram combater a organisação feita, não sómente por mim, mas também pelos meus Exmos. Suffraganeos. Esses párochos jesuítas e leigos estão com receio que seja prejudicada a causa do germanismo e sua propaganda germanista: hinc illae lacrimae
Pois, os interesses da Religião, que reclamam nossos cuidados principaes, foram devidamente acautelados; mas, além disto, não se achará nas nossas Resoluções motivo razoável que auctorize a conducta irregular dos paróchos jesuítas e dos opposicionistas. Quem lê os artigos sobre as escolas, verá que até é obrigatório o ensino da língua
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de origem das crianças e que, embora a língua em que se deve ministrar o ensino seja a portuguêza, é permittido o uso de outras, em quanto fôr necessário. Ora, está claro que não podemos prescrever em geral para o ensino cathólico em dous Estados brasileiros outra língua sinão a nacional; mas, sendo permittido o uso de outras línguas, penso que todos os direitos alheios estão salvos e todos os interesses de outras nacionalidades salvaguardados. Além disso, dei já oralmente todas as explicações necessárias, declarando, mais de uma vez, para desfazer perfidas accusações e malevolos boatos, que não se tratava, de fórma alguma, de perseguir a quem quer que fosse ou de difficultar a apprendizagem da língua allemã.
As Resoluções tratam também da propriedade dos prédios escolares, e para garantir sua existência civil, prescreveu-se que fossem considerados propriedade paróchial, sendo passado o respectivo título civil em nome das Mitras Diocesanas, visto que as paróchias novas, de facto, e muito menos as chamadas communidades escolares, não têm personalidade jurídica civil, e visto serem os taes prédios fundados por cathólicos justamente para o fim especial de servirem em benefício das escolas cathólicas.
Naturalmente, nenhuma escola já existente poderá ser obrigada a submetter-se ao novo regimen e haverá plena liberdade nesse sentido, mas não poderão gozar dos benefícios e dos privilégios das escolas cathólicas officiaes, conforme acha-se declarado em nossas disposições.
Julgo que, com justiça, nada se poderá oppor a esse regimen, em vista das circumstâncias reinantes neste Estado e no de S. Catharina, mutatis mutandis. Pelo que, peço venia para fazer a seguinte exposição.
Já em 1910, fora eu encarregado por S. Emin. Revma. o Sr. Cardeal Arcoverde para elaborar um programma de ensino diocesano, que de facto, organizei e foi approvado pelos Srs. Bispos da Conferência de S. Paulo e publicado em Appendice à respectiva Carta Pastoral.
Promovido à Archidiocese [sic] de Porto Alegre, continuei a estudar praticamente o assumpto das escolas, reunido nas visitas pastoraes os professores para os ouvir e falando nesse sentido com os vigários e paes de família.
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A existência das escolas cathólicas elementares, bem como sua direcção dependia essencialmente dos vigários na zona colônial allemã. Os professores eram empregados com sua acquiesência, quando não por elles nomeados. Approvavam o ordenado dos professores, marcavam a duração da frequência escolar, a edade para a primeira Communhão, tudo emfim, mas sem nenhuma dependência dos Bispos, cujos direitos, quando não ignorados, eram postergados, e elles representavam, quando muito, um papel secundário nesse assumpto: os srs. vigários allemães jesuítas, falando muitas vezes abusivamente em nome da Egreja e apoiados nas taes communidades escolares tudo dirgiam [sic]. E ai do Bispo, quando queria levantar sua voz! Pois, então, argumentava-se contra elle com um pretenso direito consuetudinario, já formado em território de Missões, como se dizia!
O ensino do portuguêz era prohibido e considerado como prejudicial para os alumnos. Os vigários abusavam da primeira Communhão como instrumento para prenderem as crianças nas escolas, antes do decreto de Pio X, até 12 e mais annos, de maneira que a palavra de dimissão [sic] da escola era synonyma [sic] da de 1.a Communhão , e ainda agora, depois do referido decreto, reservam a solemnidade da 1.a Communhão para a chamada Communhão solemne, que dão no fim do tempo escolar. A 1.a Communhão das crianças faz-se sem solemnidade alguma e com certo desleixo, justamente para segurar as crianças na escola, donde resulta que no espírito das crianças e do povo simples se geram idéas errôneas acerca da S. Eucharistia, pelo facto de ligar-se mais importância às exterioridades do que ao proprio Sacramento.
Este regimen instituído, mantido e defendido pelos párochos jesuítas, tem causado sérias difficuldades e males: as crianças nas paróchias dos jesuítas que não frequentam a escola cathólica ou, como de preferência se chamava, a escola allemã, e por isso, principalmente, as crianças luso-brasileiras, são excluidas de tal Communhão solemne, como antes eram excluidas da 1.a  Communhão commum da paróchia: e as crianças luso-brasileiras nunca ou quasi nunca em taes paróchias receberam instrucção religiosa, como também não se pregava o Evangelho em portuguêz, embora houvesse muitas pessoas que não entendiam o allemão.
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No pulpito, os jesuítas, mais de uma vez, atacaram imprudentemente as escolas do governo, prohibindo aos paes, em nome da Egreja, que mandassem os filhos à essas escolas. Uma medida coercitiva para conseguir isto, era muitas vezes a negação da 1.a Communhão, pelo menos da chamada Communhão solemne.
Comprehende-se facilmente a odiosidade que dahí proveiu para as escolas cathólicas, e mais de uma vez solicitou o governo do Estado minha interferência junto aos respectivos vigários, afim de mudarem seu procedimento, para evitar grandes males.
Ainda em minha visita pastoral, feita às paróchias de Lageado e Estrella, em Novembro e Dezembro de 1919, verifiquei este caso:
Na primeira paróchia, o vigário jesuíta negou a absolvição sacramental e, portanto, a s. Communhão a uma professora do governo, e a uma outra ameaçou com a mesma pena, porque ellas não se retiraram do logar, visto as duas escolas do governo prejudicarem a escola cathólica mantida pelo vigário, apezar de serem as duas professoras cathólicas praticantes e estarem promptas para ensinar o catecismo aos seus alumnos. Na outra paróchia, o vigário, também jesuíta, disse a mim que negaria a absolvição sacramental a uma professora particular que antes fora mestra de uma escola do vigário, caso ella não fechasse a sua escola. Ora, vê-se até que ponto chegou o predomínio desses padres!
Agora, que deveriam entrar em vigor as novas leis diocesanas sobre as escolas cathólicas, a maior parte dos vigários jesuítas allega motivos de consciência para não cumprir as nossas disposições, chegando até a negar-nos esse direito de legislar. Basta confrontar o procedimento desses vigáriosdagora [sic] e dantes da publicação das Resoluções episcopaes, para saltar aos olhos o absurdo de sua allegação. E note-se bem, que, antes de responderem os revs. vigários jesuítas combinaram entre si, por meio de circulares, a resposta que deveriam dar.
38r
Devido à prohibição do portuguêz, até há pouco, nas escolas cathólicas, há innúmeras pessoas de origem allemã que não falam a língua nacional e, por isso, não pódem, devidamente, fazer uso dos seus direitos civis, nem prestar à Egreja os necessários serviços na vida publica. Queriam os germanistas como que levantar uma muralha chineza em redor da colônia allemã, separando-a do convívio nacional! Em consequência desse facto, muitos vêem para a capital, e não acham emprego e perdem a fé.
Accresce que tudo isso se fazia debaixo das vistas do Superior, chamado de Missão, que, de facto, exercia direitos que não lhe competiam, quanto às escolas e à administração paróchial. É elle, portanto, o responsavel pelos abusos havidos.
Além do mais, são 22 as paróchias na zona da antiga colônia allemã, sendo 11 dirigidas por padres jesuítas e 11 por padres seculares; ora, os padres jesuítas allegaram motivos de consciência para não nos obedecer e procederam de um modo indigno e insultuoso para comnosco, ao passo que os 11 padres seculares não acharam difficuldade alguma e obedecem promptamente. Embora na direcção do ensino secundário os padres jesuítas prestem óptimos serviços, na administração paróchial sempre terão difficuldades, porque devem obedecer mais ao seu Superior de Ordem do que ao Ordinario local, e querem applicar 2 a independência do seu regimen doméstico à direcção paróchial.
Comtudo, não pretendo attribuir os erros de alguns individuos à Companhia como tal, que venero e cuja alta benemerência reconheço. Muitos desses erros attribuo ao actual Superior, que já está há cerca de 12 annos no exercício do seu cargo. Antes de receber a prezada carta de V. Excia. de 2 de Maio, já sabia que o Superior dos jesuítas,
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tinha visitado a V. Excia., pois elle mesmo o dissera, e que o sr. Joseph Koenig havia enviado a V. Excia. um memorial, indicando-se até o nome de quem fez a entrega a V. Excia.
Para conhecer-se o estado psychológico de certas pessoas, seja-me permittido dizer que o Exmo. Monsenhor Scapardini era considerado por elles como germanóphobo e V. Excia. como germanóphilo, e por esse prisma encaram o mais alto representante do Summo Pontefice no Brasil!
Sinto, profundamente, ver-me obrigado, por força das circumstâncias, a fazer a V. Excia. estas declarações. Teria guardado silenciosi [sic] meus adversarios me não tivessem accusado.
Confio, porém, que o Visitador dos jesuítas, que já está em caminho, saberá aplainar as difficuldades, chamando ao seu dever os discolos e instituindo um novo Superior, que há mais de 8 annos deveria ter sido nomeado em benefício dos interesses da própria Ordem.
Entretanto, continua a organização do ensino e da pregação, não obstante as difficuldades promovidas pelos padres jesuítas e alguns cathólicos leigos, não obstante a perfida e ignominiosa campanha que um cathólico, em jornal protestante, contra mim fez, e não obstante os escriptos anteriormente publicados no Deutsches Volksblatt que se diz respeitar o dogma cathólico e a moral christã, mas sem dependência da auctoridade ecclesiástica.
Por tudo isso, as respostas acertadas que V. Excia. deu ao sr. Jo Koenig e aos jesuítas, são de grande alcance e prestam um decidido apoio aos Bispos desta Província ecclesiástica, nesta lucta que não tem outro fim sinão a prosperidade das Dioceses e a glória da Egreja.
39r
Termino e peço desculpa a V. Excia. da prolixidade desta carta, mas achei necessário dar estas explicações a V. Excia. sobre o referido assumpto, que se relaciona também com a questão de uma capella nesta cidade, chamada de S. José dos Allemães, acerca da qual opportunamente pretendo falar a V. Excia.
Com os sentimentos de leal estima e maxima consideração, tenho a honra de ser
De V. Excia. Revma.
Amº e servo obrmo
+João, Arcebispo de Porto Alegre
36r, oben mittig hds. vermutlich von einem Mitarbeiter des Staatssekretariats, notiert: "Allegato n. 1".
1Jahreszahl "1921" hds., vermutlich von einem Mitarbeiter des Staatssekretariats, quadratisch umrandet.
2Masch. von unbekannter hand, vermutlich vom Absender eingefügt
Empfohlene Zitierweise
Becker, João Batista (Johannes Baptist) an Gasparri, Enrico vom 16. Mai 19211, Anlage, in: 'Kritische Online-Edition der Nuntiaturberichte Eugenio Pacellis (1917-1929)', Dokument Nr. 17667, URL: www.pacelli-edition.de/Dokument/17667. Letzter Zugriff am: 13.05.2024.
Online seit 16.10.2015, letzte Änderung am 29.01.2018.